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quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Ecos de Recife



A crítica teatral ganha novos contornos na webAnálise de espetáculos conquista cada vez mais adeptos em sites especializados, como o Satisfeita, Yolanda?, que completa dois anos com festa neste sábado



Publicação: 25/01/2013 19:00 Atualização: 25/01/2013 19:17
Pollyanna Diniz e Ivana Moura assinam blog que completa dois anos neste sábado, com festa no Esoaço Coletivo. Foto: Nando Chiappetta/Divulgação.
Pollyanna Diniz e Ivana Moura assinam blog que completa dois anos neste sábado, com festa no Esoaço Coletivo. Foto: Nando Chiappetta/Divulgação.
Certa vez, Eugenio Barba, diretor-fundador do Odin Teatret, da Dinamarca, um dos grupos fundamentais para o teatro contemporâneo, afirmou que mesmo que mil pessoas escrevessem mil críticas sobre um espetáculo, não dariam conta de descrevê-lo por completo. Através da internet, no entanto, a crítica amplia seu alcance, ganha novas ferramentas e adquire contornos inéditos, conquistando cada vez mais adeptos.

Vídeos, galerias de fotos, grandes entrevistas, o compartilhamento através das redes sociais são recursos que tornam mais interessante o espaço virtual para a análise crítica, que hoje nos jornais impressos assume cada vez mais o papel de promover os espetáculos.

No Recife, são raros os blogs dedicados à crítica teatral, a exemplo do Satisfeita, Yolanda?, que completa dois anos com festa neste sábado, no Espaço Coletivo, no Bairro do Recife. “Manter um blog requer cuidado com a apuração dos fatos, para fazê-lo de forma embasada, responsável. Poucos conseguem se manter no ar por muito tempo”, observa Pollyanna Diniz. Ela ressalta que o Satisfeita ainda é feito sem que ela e sua parceira no blog, Ivana Moura, sejam remuneradas pelo trabalho. “O que existe, por enquanto, é a persistência”, completa a jornalista.

Edjalma Freitas, ator, diretor e produtor atuante no Recife, gosta da resposta imediata que a web possibilita. “Acho que deveria existir mais espaço no jornal para a crítica, tem um alcance incrível e é gostosa a tradição. Mas, como produtor, a ferramenta digital facilita muito, até mesmo na hora de copiar links e inscrever projetos em editais”, explica.

Giordano Castro, integrante do Grupo Magiluth, diz que a liberdade de escrever na internet é algo fantástico. “Comentar sobre o faze teatral, que ficava obscuro e esquecido tempos atrás, é o mais importante”, assegura Giordano.
Sérgio Maggio, do blog CriCri, deixou a crítica de lado quando se tornou diretor teatral.
Foto: Zuleika de Souza/CB/D. A. Press.
Sérgio Maggio, do blog CriCri, deixou a crítica de lado quando se tornou diretor teatral. Foto: Zuleika de Souza/CB/D. A. Press.
Morte anunciadaSérgio Maggio, jornalista do Correio Braziliense, diretor, dramaturgo e autor do blog CriCri, acredita que a crítica se esvaziou com o passar do tempo. “No jornal, é mais um relatório de erros e acertos. Mas a crítica também assume a função de historiar o teatro de um período, ou ainda ser um documento para ajudar os grupos a obter patrocínios. Faz duas décadas que se anuncia sua morte”, pontua Maggio, que reforça a seriedade e a imparcialidade do Satisfeita, Yolanda?. Ele enumera formatos diferentes de blogs, como oQuestão de crítica, que surgiu dentro da universidade e traz uma visão mais acadêmica e aprofundada, subjetiva, sobre os espetáculos, com muitas vozes para falar da mesma peça; e de críticos como Macksen Luiz, no Rio de Janeiro, que dá a chance de legitimar atores, diretores, produtores.

O baiano radicado em Brasília faz uma comparação pertinente. “Assistir a um espetáculo exige uma percepção plena do espectador. Ele percebe de uma só vez todos os signos sensoriais, do gesto, luz, cenário, trilha sonora, a presença do outro ator no palco, contracenando com o protagonista. Quando fatiamos essa percepção com a crítica, estamos fazendo a autópsia de um cadáver, enquanto o espetáculo é vivo, pulsante”, opina ele, que ressalta a visibilidade proporcionada pelas redes sociais. “Existe crítica até no Twitter, em 140 toques. E o internauta não é bobo. Ele analisa se o texto traz muitos adjetivos, descobre se o autor é amigos dos atores, fica abusado e não volta mais ao site”, descreve.

Helena Mello fez mestrado em artes cênicas em Porto Alegre, defendendo tese sobre o tema.
Foto: Daniela Aquino/Divulgação.
Helena Mello fez mestrado em artes cênicas em Porto Alegre, defendendo tese sobre o tema. Foto: Daniela Aquino/Divulgação.
A gaúcha Helena de Mello coloca que a falta de regras do teatro contemporâneo não o exime de análises. “Penso justamente o contrário. Os espectadores só têm a ganhar quando pessoas que se dedicam exclusivamente a compreender o teatro de hoje, que estudaram a história do teatro e aprofundaram os seus conhecimentos sobre essa arte trazem à tona as suas impressões sobre uma obra. Não se trata aqui de dizer o que é certo ou o que é errado. Isso sim não cabe mais no universo da arte, mas de contribuir para o debate, de apontar e identificar os elementos utilizados na obra em questão. Em resumo: fazer o público pensar, refletir sobre o que viu. Aprofundar a opinião para ir além do: gosto/não gosto”, dispara Helena.

Segundo ela, há muitos registros de grandes debates entre críticos e artistas que antecedem o espaço virtual. Entre esses, os que ocorreram entre Bárbara Heliodora e Gerald Thomas, Sábato Magaldi e Zé Celso Martinez Correa, Paulo Autran e Paulo Francis. “Tenho um blog (palcosdavida.blogspot.com) em que publico coisas diversas, inclusive pessoais, não apenas sobre teatro ou cultura e, por ocasião da minha pesquisa, criei o blogsobrecriticateatral.blogspot.com, em que publico vários textos sobre o tema e um catálogo que elaborei com todos os endereços na internet que publicavam críticas teatrais”, detalha Helena, que fez mestrado sobre o assunto. 

Ela defende que, para atrair público, um blog precisa trazer conteúdos mais aprofundados, informações históricas, culturais, mas, de preferência, de um jeito mais leve e divertido. “Considero que é importante também diversificar, ou seja, incluir links que sejam úteis, colocar curiosidades técnicas, divulgar agendas. Cheguei a elaborar um projeto para um grande portal de artes cênicas e a buscar verbas no Fumproarte, mas há muita concorrência e, na última etapa, o meu projeto foi vencido. Até porque, naquela ocasião, as pessoas ligadas às artes que faziam parte da comissão julgadora ainda não visualizavam o potencial da internet no contexto da arte, tinham muito receio de ver esse espaço invadido pela tecnologia”, revela.

Na era digital

Em Porto Alegre, Helena Mello é uma das profissionais que batalham pela seriedade da crítica teatral. O tema mobiliza tanto a jonalista que ela mergulhou nele em sua dissertação no Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2010. Para elaborar o trabalho, intitulado Aspectos da crítica teatral brasileira na era digital, sob orientação de Edélcio Mostaço - que exerceu a função de crítico na Folha de São Paulo durante muitos anos e é hoje coordenador do curso de Artes Cênicas em Florianópolis (Santa Catarina) - Helena entrevistou virtualmente 80 pessoas de todo o Brasil. Ela concluiu que a crítica teatral não segue mais os mesmos preceitos de outros tempos, mas seguirá existindo enquanto houver teatro, enquanto houver público. “Os blogs preenchem uma lacuna deixada pelos jornais a partir do momento em que não houve mais espaço para textos que provoquem a reflexão sobre o que está em cena. Importante também observar que, nesses casos, a discussão pode ir muito além do que é postado pelo autor, pois os leitores podem colaborar com suas próprias impressões”, defende a jornalista gaúcha.
Meros espectadores

A jornalista, blogueira e atriz Duda Martins, 24 anos, acaba de lançar um novo blog que vem dando o que falar no Recife. Trata-se do Meros espectadores, que inova no formato ao dar voz a pessoas que não têm necessariamente intimidade com o teatro. Ela tinha muita curiosidade sobre o olhar das pessoas comuns a respeito das peças e planeja expandir o blog para outras áreas culturais, como cinema e shows. “Já recebi textos bem curtos, como de um garoto de Brasília Teimosa que nunca tinha colocado os pés num teatro, e viu uma peça no Santa Isabel. Até outras com três laudas, mais embasadas, como a de Marcondes Lima”, compara Duda, que acredita no lado construtivo da crítica. “Não temos censura, só se a galera baixar o nível”, argumenta.
Caminho inverso

Quando criou o blog CriCri (blogcricriemcena.blogspot.com.br/), Sérgio Maggio dedicava o espaço exclusivamente à crítica das artes cênicas. Desde 2001 na equipe de cultura do jornal Correio Braziliense, ele sentiu necessidade de definir novos rumos seis anos atrás, quando começou a atuar também como dramaturgo e diretor de teatro. Hoje, o CriCri ainda está no ar, mas ampliou o foco para ser um blog da trajetória profissional do jornalista. Ele é diretor do espetáculo Eros impuro, que esteve em cartaz no Teatro Arraial na semana passada, a convite do 19º Janeiro de Grandes Espetáculos. Maggio também ministrou oficina de crítica durante o festival. “O crítico passou a ser mais importante do que a crítica em si, como é o caso da Bárbara Heliodora. Na web, polivozes surgem para dialogar e a interatividade chega ao ponto que até o próprio artista pode dar uma resposta”, observa Maggio, que é natural de Salvador (BA)
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